Na adolescência sobrevivi na década perdida de 1980, onde praticamente não havia empregos. Uma enchente, devido a uma tromba d'água em 1982 levou todos os meus pertences.
Tivemos a passagem do cometa de Halley que muitos diziam traria má sorte.
Na economia, chegamos a uma inflação de mais de 250% ao ano. O fim de uma ditadura que durou 25 anos, a morte de Tancredo Neves, eleito presidente.
O plano Cruzado que congelou tudo, trazendo o ágio e o desabastecimento.
O Plano Collor, o impedimento do Presidente. O BUG do milênio em 2000.
Mas essa quarentena era, a princípio inimaginável.
Ficar quase dois meses dentro de casa, sem contato social é uma experiência única. Houve momentos em que eu perdi a noção do tempo, em outros fiquei impaciente. Parecia algumas vezes que a noite, algo inusitado iria acontecer, como uma passeata de zumbis rs.
Mudança de hábitos, como ter que se exercitar dentro de casa, criar uma agenda de práticas para vencer o tédio, usar máscara, lavar as mãos continuamente, tirar os sapatos antes de entrar em casa , passar álcool gel nas mãos.
E a experiência interior? Essa conversa que temos em relação a nós mesmos... a busca por uma explicação racional para o que estava ocorrendo, o medo da Morte, a interação da alma com a religião, espiritualidade.
Afinal, quando ficamos confinados aflora mais nosso lado espiritual que busca respostas.
Porém não há respostas fáceis. Nos noticiários, cada dia as mortes no Itália aumentavam; 600, 700, 970 mortes em um dia. A cena dos caixões enfileirados, dos caminhões levando os corpos...
Depois a Espanha e França...Os Estados Unidos. Mil mortes em um único dia.
Agora chegou aqui, pertinho da gente...615 mortes em um dia. Do nosso lado, bem perto da gente. Fica uma atmosfera mórbida. Parei de assistir jornais. A polarização política ficou feia. Conseguimos fazer algo surreal; Politizamos a pandemia. Os governadores tomaram a frente com o confinamento enquanto o presidente é a favor da economia. Duas frentes se formaram. Os contra e os favoráveis ao confinamento, a maioria empresários, informais e comerciantes contra , do outro lado, profissionais da classe média e do setor público a favor do isolamento.
Carreata de empresários com máscaras e vidros fechados pedindo para os trabalhadores voltarem ao trabalho. No momento em que havia mais de 10 mil mortes o presidente faz uma marcha com empresários ao Supremo pedindo o afrouxamento das medidas pois empresas abririam falência, CNPJS morreriam.
Um clima de falta de empatia, de um certo desprezo à vida, algo que todos já desconfiavam mas que agora temos certeza.
Um clima sombrio, de instabilidade política, morte, caos se instalou entre nós. Não sei como sairemos dessa situação e se sairmos qual será o grau de sanidade mental, de condições políticas e econômicas teremos para reconstruir o País.
Mas é preciso acreditar na capacidade humana de se reinventar.
Mas é preciso acreditar na capacidade humana de se reinventar.